Obra
Áudio de uma entrevista onde Sérgio Britto conta a sua singular trajetória (para ouvir clique na seta):
Aperte “PLAY” e assista ao vídeo da trajetória de Sergio Britto:
“Ao encontrar-se casualmente com a professora e encenadora do Teatro Universitário, Jerusa Camões, que por percebê-lo bonito o convidou a fazer teatro, Sergio Britto iniciava a sua trajetória de ator. Mero acaso.
A famosa lenda “da hora certa, do lugar certo e da pessoa certa” acontecera com o convite, mas o fato da aceitação nos faz duvidar desse mero acaso.
Sergio já frequentava, como público, teatro, ópera, cinema e tinha um fascínio por Mirna Loy. A relação que mantinha com as artes cênicas não era de mero frequentador. Aquilo tudo já fazia parte de seu ser e quando a mestra Jerusa o convidou e ele estreou como Benvoglio de “Romeu e Julieta”, em 1945, eclodiu aquele ator que Juca de Oliveira sempre afirma que fora a maior vocação do teatro brasileiro.
De corpo, mente e alma, Sergio se entregou às artes cênicas. O jovem de tradicional e culta família de Vila Isabel abandona a Medicina, na qual acabara de se formar, rompe comportamentos convencionais e enfrenta a família brasileira daqueles anos 1940. E aquela vocação indomável segue o seu rumo. Logo após no mesmo Teatro Universitário, com a sua segunda mestra, Esther Leão, atua em “Quebranto”, de Coelho Netto e “O pai”, de Strindberg, onde conhece uma parceira definitiva: Nathalia Timberg.
Seu terceiro mestre, Paschoal Carlos Magno, o testa para o Teatro do Estudante, em 1948, onde interpreta Horácio em “Hamlet” e ganha mais um parceiro definitivo: Sergio Cardoso. A partir do sucesso de “Hamlet” torna-se realmente profissional, funda com Sergio Cardoso o “Teatro dos Doze” e parte para São Paulo, em busca de evolução artística e do prosseguimento dessa carreira tão instável. A paixão e a determinação, características da tal vocação levam-no à Madalena Nicol, à fundação do Teatro de Arena, em 1953, com José Renato, Eva Wilma e outro definitivo parceiro: Ítalo Rossi, à Maria Della Costa, onde em sua companhia, através da peça “O canto da cotovia” é reconhecido e premiado.
Além da vocação, Sergio passa a contar agora com mais uma poderosa e preciosa arma: o talento. Enfim, confirma-se que Sergio era também movido a talento. A sua decantada vocação fez Sergio treinar como um artesão, para o desvelamento de seu talento, algo que também lhe era inerente.
Na companhia de Maria, estavam outros definitivos parceiros: Fernanda Montenegro e Gianni Ratto.
Sergio entra na mais respeitada companhia da época: o TBC (Teatro Brasileiro de Comédia) onde desenvolve sua amizade e parceria artística com Fernanda, Nathalia e Ítalo e fundam e participam, no Rio de Janeiro, do “Grande Teatro Tupi”. Algo preciosíssimo na história das artes cênicas. Mais de 300 peças, encenadas, semanalmente, entre 1956 e 1965. Ao vivo nos primeiros anos, até a chegada do vídeo tape em 1959. Sergio coordenava, produzia, interpretava e dirigia (ao lado de Fernando Torres e Flávio Rangel) peças teatrais do mais alto nível artístico, dos mais variados gêneros e estilos, de diversos autores(clássicos, dramas modernos, comédias, adaptações literárias, feitas com a sensibilidade e competência de Manoel Carlos). O “Grande Teatro” apurou os talentos de Sergio, Fernanda, Nathalia e Ítalo, e ofereceu ao público o melhor em termos artísticos. Com o “Grande Teatro” Sergio tornou-se ídolo no Rio de Janeiro. E à vocação e ao talento junta-se agora o carisma. Um carisma manifestado sob a égide da seriedade e da responsabilidade artística.
E também de um esforço – que devia ser delicioso – pois eles trabalhavam de terça a domingo, em São Paulo, no TBC, com cerca de 8 sessões semanais, ensaiavam a peça que substituiria a que estava em cartaz e ainda ensaiavam o “Grande Teatro”, de madrugada. Tempo para eles? Eles eram aquilo, o teatro em tempo integral. A recompensa do exercício interpretativo os mantinha vivos e felizes. E daí, elaboraram novelas para a TV Rio, escritas, por Nelson Rodrigues. Percebamos o requinte artístico. E junto com Fernanda, Ítalo, Fernando e Ratto fundam o “Teatro dos Sete”. Momentos memoráveis para o teatro brasileiro, “símbolo-mor”, naquele período, do teatro carioca. Inesquecíveis peças como “O mambembe”, “A profissão da Senhora Warren”, “Com a pulga atrás da orelha”, “O beijo no asfalto” dentre outras. O empresário Sérgio Britto (junto com os seus parceiros) é mais uma faceta acionada e um desafio que o seu ser teatral impôs.
Sergio se tornara um “monstro sagrado” do teatro brasileiro. Dirige as primeiras novelas da TV Globo (“Ilusões perdidas”, “Paixão de outono” e “Um rosto de mulher” e excelentes novelas na Excelsior (“A muralha”, “Sangue do meu sangue”), participa como ator em diversas montagens de sucesso como “Meu querido mentiroso” e “Flor de cactus”, ambas com Nathalia, associa-se a Fernando Torres e produzem peças como “O homem do princípio ao fim”, “O marido vai à caça”, “A mulher de todos nós”, todas com Fernanda. Participa de montagens célebres e experimentais como “Missa leiga”, “O balcão” e “Autos sacramentais”, dirigidas pelo lendário Victor Garcia, firma parceria com Amir Haddad ( além de “O Marido vai à Caça”, “Tango”, “Feliz aniversário”), traz o diretor Jorge Lavelli, com quem faz “A gaivota” de Tchecov, e assume o Teatro Senac ( “Os filhos de Kennedy”, “Entre quatro paredes”) funda o Teatro dos Quatro com Paulo Mamede e Mimina Roveda, outros parceiros definitivos e oferece o melhor ao público onde dirige (“Papa Highirte”, “Os órfãos de Jânio”, “Afinal uma mulher de negócios”, dentre outras), atua ( “Assim é se lhe parece”, “O jardim das cerejeiras”, “A cerimônia do adeus”, “Meu querido mentiroso”) e produz (“ Ópera do malandro”, “As lágrimas amargas de Petra Von Kant”, “Filomena Marturano”, “Sábado, domingo e segunda”, “O baile de máscaras”).
Seu amor ao ofício o torna grande estimulador de talentos para o teatro, como o autor Mauro Rasi e o diretor Gerald Thomas, que dirigiu “Quatro vezes Beckett”, no Teatro dos Quatro, sua primeira peça ao retornar ao Brasil.
Com anos de ofício tornou-se também professor, dom oriundo de sua genética teatral, onde implantou no Teatro Senac, um belo curso de interpretação, do qual participaram como alunos, dentre outros, Vera Holtz, Hamilton Vaz Pereira, Eduardo Tolentino de Araújo, Maria Padilha, Regina Casé. Além de participar da implantação da CAL (Casa das Artes de Laranjeiras), local onde ministrou vários cursos, alguns ao lado de Glorinha Beutenmuller, outra parceira de ofício. A expansão de sua fome artística também chega às óperas, onde dirige “Carmem”, “O Guarani”, dentre várias outras, ao cinema, onde fez “Society em Baby Doll”, “O maior amor do mundo”, entre outros também. É diretor de programação do Centro Cultural Banco do Brasil em sua fase inicial, dirige o Teatro Delfim, onde monta e escreve (em parceria com Clóvis Levi) musicais genuinamente brasileiros, e mantem-se sempre em atividade como ator, no teatro (“Longa jornada de um dia noite a dentro”, “As pequenas raposas”,” Sérgio 80”, “Outono inverno”, “Jung e eu”, ”A última gravação de Krapp”, “Ato sem palavra”, “Recordar é viver”) e na televisão (“Xica da Silva”, “Pantanal”, “Paraíso”, “Escalada”, “Olhai os lírios do campo”, Supermanoela”, “Anjo mau”).
Sergio estava o tempo inteiro participando do movimento teatral brasileiro, assistia tudo no Rio e São Paulo e fez várias viagens internacionais com esse objetivo, escreveu livros memoriais e todos se sentiam acolhidos com a sua presença nos espetáculos aos quais assistia. Seu elo com a arte fez com que estivesse anos no ar com o programa “Arte com Sergio Britto”, sempre deliciando o público, com refinamento artístico.
A vocação, o talento, o carisma, a paixão, o empreendimento, o ensino, o pioneirismo, a inquietude e o serviço ao ofício tornaram-no o maior homem de teatro do Brasil, como todos reconhecem e afirmam. Esse homem já existia naquele inesperado encontro com Jerusa Camões. Foi burilado na sua trajetória.
E esse mesmo homem será perpetuado através de “Sergio Britto – Memórias”, acervo de escritos, observações, programas de peças, fotos, vídeos, tudo que lhe diz respeito, que ficará disponível para o público. As artes cênicas brasileiras estarão preservadas em sua história, pois grande parte delas tiveram a participação de Sergio e os deuses do teatro abençoarão esse lindo projeto que agora se materializa, com o gene da determinação que herdaram seus sobrinhos, Marília Brito e Paulo Cesar Brito, e sua sobrinha neta, Renata Brito que lutaram pela sua realização.
E a CAL, que também herdou o DNA de Sergio, tem a mais genuína honra de sediar esse material.
Eternamente obrigado, Sergio. O Brasil, que clama por arte e cultura, também agradece e se orgulha.” – Hermes Frederico – Diretor Acadêmico da CAL, Professor da PUC RJ e Produtor Cultural