Macbeth

Em 2005, Sergio Britto dirigiu no Teatro Municipal a ópera “Macbeth”, de Giuseppe Verdi.

“Para aqueles que vão ver Macbeth de Verdi, algumas explicações altamente necessárias para melhor apreciar a grandiosa ópera italiana. Ela deve estrear dia 27, no Municipal.

Macbeth e seu libretista.

Apaixonou-se Verdi pelo tema de Macbeth e se inspirou em Shakespeare para fazer sua ópera. Não foi uma transcrição da peça de Shakespeare, como no caso de Othello e Falstaff.

Aqui é o caso de uma inspiração que provocou em Verdi uma nova versão de Macbeth, sem mudanças na essência, nenhuma mudança na essência, mas com um roteiro e um desenvolvimento cênico muitas vezes diferentes.

Para começar, dos 24 personagens de Shakespeare, ele ficou apenas com 11, sem contar as bruxas que, em Shakespeare, são três e, em Verdi, quase sempre um coro feminino de, pelo menos, umas trinta vozes.

No Macbeth de Verdi o rei Duncan não fala. O Malcom é o único filho de Duncan que aparece. Lady Macduff não aparece. Mas, por mais paixão que você tenha pelas três bruxas de Shakespeare, realmente a invenção do coro verdiano, é uma conquista dramático-musical nada desprezível. Verdi fez o roteiro para Paive, que fez o libreto.

A personagem Lady Macbeth

Vi na Alemanha, em 1981, uma versão do Macbeth de Shakespeare. A direção era de Luc Bondy e levava a importância de Lady Macbeth e a relação sexual do dois a níveis inesperados. Antes do crime, o casal está dormindo nu. Macbeth sai para matar Duncan completamente nu e quando volta, depois do crime, o sangue de Duncan mancha também seu pelos pubianos. No seu entusiasmo, Lady abraça o marido e os dois ficam iguais: o sexo marcado pelo sangue de Duncan. Na minha visão e na visão de muitos que escreveram sobre a história de Shakespeare, a Lady é uma instigadora, a mulher que não permite que Macbeth vacile.

A ambição domina Macbeth e sua Lady. Ele fraqueja muitas vezes. Esse sonho de poder nele já começa, desde o início, a ser angústia e remorso. Lady é muito mais forte, resiste muito mais ao horror que ajudou a cometer. Só a loucura, que é a sua forma de remorso, acaba com ela.

O estilo vocal de Verdi

Quando Verdi começou sua própria atividade, o teatro musical foi improvisadamente transformado numa floresta da qual saíam rugidos e gritos, berros alucinantes.  No âmbito dos transformadores do gosto, da tessitura e dos timbres, que já podem ser percebidos no decênio (década anterior, aproximadamente de 1840), já havia cantores que, tendo perdido a familiaridade com as figuras e malabarismos do estilo Rossini, sabiam, no entanto, executar com grande langor estético as firulas de Bellini, Donizetti e Mayerbier com paixão quase doentia e, ao mesmo tempo, eram muito precisos nos legados e comportamentos  para expressar esse mundo de paixões muito mais dramáticas do que dez anos antes.

Um crítico musical, Adam, em 9 de novembro de 1852, comentou: “Eis aqui as culpas que não podemos jamais perdoar. É de haver concebido suas óperas num sistema tal que aqueles que não sabem cantar são os mais aptos a cantar, com a única condição de ter bastante voz para as notas agudas, altas. Os barítonos, ele transformou em tenores e os baixos, em barítonos.” Em 1855, Adam escreveu: “Eu dificilmente poderia perdoá-lo de ter mudado a escola italiana. Nele não se encontra mais a pureza e a obrigação melódica tão favorável aos cantores. Eu não posso perdoá-lo pelo sistema de canto à plena voz. Ele proscreveu, aboliu o canto requintado, cheio de ornamentos, não manejou o sistema vocal em geral e abusou de uma instrumentação que já era reprovada nas escolas alemã e francesa”.

Outro crítico, Paolo Scudo, na revista Dois Mundos, repetia um pouco Adam. Em 1858, em Paris: “Ter uma voz forte, temperamento sanguíneo e pulmões fortes bastam para satisfazer o público e o compositor”. E ele continua: “Os melodramas monótonos e sangrentos de Verdi acabaram com o bom gosto de toda Itália e fizeram se perder todas as tradições da arte de cantar.  Não é a voz humana que deve exprimir os gritos de Azucena”.

O modo Verdi de escrever, se posto em comparação com o estilo rossiniano, com o repertório de Donizetti e Bellini, podia ser discutido.

O desenho de suas melodias, especialmente para as vozes femininas, se mantém muito ligado à tradição italiana, pelo menos em suas primeiras óperas: em Vésperas Sicillianas, os floreios do canto, a agilidade do canto, ali estão. Em Macbeth, quando Lady diz: “Pois apareçam, ministros do inferno, que animam e excitam os mortais a verter sangue”, a agilidade  do canto está presente e é ela que exprime toda a dramaticidade de cena, o que se repete também em Stride La Vampa, de Azucena, em Il Trovatore.

No operismo verdiano, tem muita importância o barítono. Através da voz do barítono, Verdi compôs já com Nabuco (1842), figuras complexas e atormentadas: Macbeth, Rigoletto, Simon Bocanegra e Falstaff, mesmo sendo este uma figura que vai ao máximo do ridículo, não podiam ser senão barítonos, protagonistas absolutos destas óperas.

Mas, mesmo quando não são os protagonistas, quantos barítonos/personagens existem nas óperas de Verdi: Don Carlo, de Ernani; o Rodrigo de Don Carlo, o Conde de Luna, de Il Trovatore; o velho Giorgio Germont, de La Traviata; o marido traído Carlos de Vargas, de A Força do destino; o marido traído Renato, de Um baile de máscara; e, talvez, o mais famoso de seus barítonos que não é protagonista – Iago, de Othelo.” – Sergio Britto em texto para coluna do “Acontece na Cidade” – Abril de 2004.