Teatro dos Quatro
Sergio Britto e o Teatro dos 4 – Por Daniel Schenker
É impossível falar sobre a história do teatro brasileiro na segunda metade do século XX sem destacar Sergio Britto, que acumulou funções (ator, diretor, professor), participou de alguns dos mais relevantes grupos e espetáculos e capitaneou projetos muito importantes. Um deles foi o Teatro dos 4, sociedade que fundou, em 1978, ao lado do casal Paulo Mamede e Mimina Roveda, que conheceu quando estava à frente da programação do Teatro Senac, e de José Ribeiro Neto, que se desligou logo da iniciativa sendo substituído por Dema Marques. Este também se afastou após poucos anos e a sociedade foi constituída até o final (1993) pelos três integrantes, desde sempre engajados nos espetáculos: Sergio como ator e diretor, Paulo como cenógrafo e diretor e Mimina como figurinista.
A plataforma do Teatro dos 4 era ambiciosa: realizar encenações refinadas, tanto em termos de requinte de produção quanto de escalação de elenco, de textos de grandes autores. Ao longo dos anos, os sócios acabaram apostando em dramaturgos e peças pouco difundidos no Brasil. Viabilizaram o contato do público carioca com textos de Rainer Werner Fassbinder – Afinal, uma Mulher de Negócios (1979) e As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant (1982) –, Eduardo de Filippo – Sábado, Domingo e Segunda (1986) e Filumena Marturano (1988) –, Nikolai Erdman – O Suicídio (1982) – e Franco Scaglia – Imaculada (1986). Montaram Papa Highirte (1979), de Oduvaldo Vianna Filho, assim que foi liberado pela censura, e investiram na dramaturgia brasileira recente por meio de Os Órfãos de Jânio (1980), de Millôr Fernandes, A Cerimônia do Adeus (1987) e O Baile de Máscaras (1991), ambos de Mauro Rasi.
Sem condições de manter um elenco fixo, a sociedade do Teatro dos 4, porém, contava com um informal elenco constante. Nathalia Timberg, Renata Sorrah, Ary Fontoura, José Wilker e Nildo Parente participaram de alguns espetáculos. Yara Amaral é um capítulo à parte: a mais frequente atriz nas produções da casa morreu precocemente no naufrágio do Bateau Mouche durante a temporada de Filumena Marturano. Seu corpo foi velado no saguão do Teatro dos 4. E a temporada seguiu em frente graças ao empenho de Nathalia Timberg, que assumiu o papel principal em menos de uma semana. A preocupação em evitar que os diretores se sobrepusessem às peças montadas não aconteceu tanto, tendo em vista a heterogeneidade dos profissionais que assinaram espetáculos no Teatro dos 4: além de Sergio e Paulo, José Wilker, Celso Nunes e novos nomes no cenário nacional, como os de Gerald Thomas, notadamente autoral, e Paulo Betti.
Os primeiros anos não foram fáceis. Os sócios precisaram contrair empréstimo bancário e empregar recursos próprios. Começaram produzindo duas encenações concomitantemente – Os Veranistas (1978), de Maximo Gorki, que inaugurou o espaço no Shopping da Gávea, e A Ópera do Malandro (1978), de Chico Buarque, apresentada no Teatro Ginástico. Algumas montagens não obtiveram o esperado retorno de público e crítica. Mas em 1982 – mais exatamente a partir da bem-sucedida encenação de As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant – o empreendimento entrou na sua fase de ouro. No ano seguinte, o Teatro dos 4 passou a contar com o patrocínio da Shell, da montagem de Rei Lear (1983), de William Shakespeare, em diante. Tiveram outros grandes sucessos: Assim é se lhe Parece (1985), de Luigi Pirandello, e o já citado Sábado, Domingo e Segunda. Na transição da década de 1980 para a de 1990, a situação voltou a se agravar, seja por causa da desestabilização do Brasil a partir da gestão de Fernando Collor de Mello, seja pela escalada da violência no Rio de Janeiro.
A trajetória do Teatro dos 4 transcendeu pouco as fronteiras do Rio. Devido aos elevados custos das produções, os espetáculos não costumavam viajar (uma exceção: As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant). Entretanto, não seria justo minimizar o impacto da iniciativa no panorama teatral do país. Basta dizer que, após o término da sociedade – a última realização foi Mephisto (1993), na versão de Ariane Mnouchkine para o original de Klaus Mann –, a cena brasileira passou a viver a quase ausência de um teatro de mercado munido de alto padrão de produção. Seja como for, Sergio Britto continuou dando vazão a projetos destacados. Migrou para o aconchegante Teatro Delfim, onde estabeleceu repertório nacional e deu oportunidades a atores negros.
Daniel Schenker é Doutor em Artes Cênicas pela UniRio, professor de história do teatro do Instituto CAL e da faculdade Cândido Mendes, crítico de cinema do jornal O Globo e critico de teatro do blog: danielschenker.wordpress.com